[REVIEW] 1883 ( 2021)
- garagisaloon
- 11 de abr. de 2023
- 7 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
As mazelas da Trilhas do Oeste

1883 é uma série de drama western criada por Taylor Sheridan, conhecido como criador da série de sucesso Yellowstone e serve como prequel para ela.
Diferente de Yellowstone, que conta a história da família Dutton e das dificuldades e agruras de manter o rancho Yellowstone nos tempos contemporâneos, 1883 nos leva para o período da fronteira estadunidense, apresentando os antepassados Dutton na jornada do Texas até Montana onde, enfim, eles estabelecem o rancho.
Lançada em Dezembro de 2021, a série conta com 10 episódios fechados, que, nas palavras do próprio Sheridan, “servem como um filme de 10 horas”, apresentando uma jornada de luto, perdas e encantamento no que seria uma das últimas jornadas da Trilha de Oregon.
O review pode ou não ter spoilers.

YELLOWSTONE: O QUE PODERIA SER MAS NÃO FOI
Que a série-mãe, Yellowstone, é um sucesso absoluto, não há dúvidas. Lançado em Junho de 2018, a série traz nomes conhecidos. Começando com o protagonista Kevin Costner, que interpreta o patriarca John Dutton III, mais novo da linhagem Dutton, que tem o fardo de manter um rancho de proporções colossais ativo em meio a empreitadas corporativas, manobras políticas, ativismo ambiental entre outros problemas e conflitos.
Minha ideia aqui não é fazer um review de Yellowstone (o que farei em tempo oportuno), mas dar a entender que, como opinião pessoal, apesar do sucesso, Yellowstone deixa a desejar em muitos aspectos.
É uma série que teria tudo para poder mostrar as complexidades do sistema latifundiário estadunidense, na sua relação com o capital e com o Estado e como isso afeta o ambiente que orbita o rancho, como as reservas indígenas. Mas tudo isso dá lugar a um drama onde o conceito de personagens quebrados falam mais alto. Se toda a família Dutton tivesse feito terapia em algum momento da vida, metade dos problemas que eles possuem poderiam ser sanados antes de acontecer. Tudo na série se resolve com mesquinharias, (muitos) tiros e trapaças.
É uma série que poderia funcionar no começo do século mas que hoje, com tanta informação e novas narrativas, só parece datada, embora muito bem produzida.
Dito isso, vamos para 1883.
Até começar 1883, eu não li nada a respeito da série, tendo base na percepção do que foi a série original. Então, fiquei com as expectativas baixas. Taylor Sheridan com certeza sabe o que está fazendo e tudo que ele propõe está ali na tela, então não acho que ele esteja equivocado nos erros de Yellowstone a meu ver. Acho que a trama como ela é apresentada, funciona para o público dele, um público estadunidense que gosta de ser o centro das atenções, até mesmo para fazer boas ações e que resolve tudo na base do tiro.
Por isso, pensei que ia encontrar uma série que iria mostrar os antepassados Dutton chegando nas terras do futuro rancho e protegendo elas, sejam de foras-da-lei ou indígenas querendo reclamar terras roubadas.
Em vez disso, eu recebi uma jornada de agruras pelas Trilhas do Oregon.

TRILHAS DA PERDA
A Trilha do Oregon foi uma das grandes trilhas onde exploradores, comerciantes e caçadores começaram a utilizar no começo do séc. XIX. Abrindo caminho pelo território inóspito da nação estadunidense, a Trilha do Oregon possui parte na história da colonização do oeste, junto com as Trilhas de Santa Fé, Trilhas da Califórnia e Trilhas dos Mórmons.
Durante todo o século, as trilhas foram utilizadas por mais de 400 000 pessoas, de várias nacionalidades, que estavam à procura de um lugar para recomeçar.
Depois do Homestead Act de 1862, o governo determinou que qualquer família poderia reclamar um pedaço de terra, desde que conseguisse viver dela por, pelo menos, 5 anos. Nisso, uma explosão migratória ocorreu entre europeus, negros, romanis e outros. Todos fugindo de alguma parcela de suas próprias mazelas.
Apesar dos incentivos estatais e ideológicos, como o Destino Manifesto, que causou a dizimação de inúmeros indígenas, as trilhas não eram um caminho tranquilo para a terra prometida. Os colonos tinham que enfrentar acidentes, afogamentos e doenças, o que custou a vida de 20,000 apenas na Trilha do Oregon.
Só como parâmetro, se dividir este número por toda a trilha, daria uma cova para cada 200 metros em toda sua extensão.

O LUTO EM 1883
A série tem como premissa a jornada de James Dutton (interpretado pelo renomado cantor country Tim McGraw), um ex-combatente confederado, que busca no Oeste um novo recomeço para sua família.
Começando pelo Texas, ele logo se junta a uma caravana de alemães indo para Oregon, usando a infame trilha. Como um grupo heterogêneo novato nas agruras do oeste, a caravana contrata o agente veterano da agência Pinkerton, Shea Brennan (Sam Elliot com seu bigode impecável) e seu parceiro Thomas (LaMonica Garrett entregando tudo) para serem os guias da expedição.
Relutante de começo, Dutton aceita viajar com a caravana, a pedido de Brennan, que sabe que quanto mais pessoas, menos oportunidade de ataque a expedição terá.
Em 10 episódios, vemos uma jornada intensa de perdas e luto, onde a cada metro percorrido, mais distante o destino parece estar.
Todos os personagens apresentados poderiam ter todos os motivos de cair em armadilhas narrativas e entregarem aspectos rasos do que seria alguém naquele período.
A começar pela família Dutton. A esposa de James, Margareth (interpretada pela também renomada Faith Hill, que é esposa de McGraw na vida real), poderia ser uma mulher apegada a costumes e valores que eram esperadas para uma mulher da época, porém a Margareth de Hill entrega uma mulher ciente dos grilhões que a sociedade impõe para ela, tanto que até mesmo em sua relação com o marido, se vê constantemente em uma troca de afazeres que você esperaria mais entre homens, do que algo hierárquico como um casamento tradicional. Em nenhum momento, James duvida da capacidade de Margareth, confiando qualquer atividade a ela, sem pestanejar. Isso, além da notória química entre os dois, onde momentos de afeto realmente demonstram o laço que aquele casal possui.
A primogênita Dutton, Elsa (Isabel May me arrancando lágrimas dos olhos) entrega uma garota sonhadora que encontra na fronteira um escape de uma vida sufocada pelos valores tradicionais. É através dela que nós, espectadores, começamos a sofrer as mazelas das trilhas. Começamos a jornada esperando aventuras, onde Elsa, nos primeiros momentos já choca, por preferir usar calças e acompanhar os vaqueiros a tocar a manada de gados da caravana. E aqui entra um pequeno adendo da qual a série me conquistou. Ninguém no comboio, seja o guia ou os próprios vaqueiros, duvidam da capacidade de Elsa. Seja para montar, para guiar o gado ou fazer vigília, Elsa sempre é vista como um igual.
Apesar de, sim, haver uma estrutura misógina no período, ali nos ermos, onde para você sobreviver você precisava contar com a pessoa do seu lado, não tinha muito tempo para se discutir se uma mulher está com calças ou não. Tanto que ela só é convencida a usar vestido, quando é levada a um forte militar, um lugar estrutural de fato.
E é ali, enfrentando a natureza de cabeça erguida e ingenuidade que a cada episódio, a cada perda, os monólogos de Elsa entregam o fardo que foi estar nos ermos. Desde testemunhar a primeira morte, até ela sentir seu próprio luto, cada passo tira a esperança da voz, outrora animada dela.
Outro que desafiou algumas noções da época foi o próprio guia da caravana, Shea Brennon. Sam Elliott entrega um veterano de guerra que já começa com seu próprio luto, perdendo esposa e filha para a varíola. Já velho demais para recomeçar uma vida, ele se entrega de cabeça na jornada, a fim de ir para as praias do Oregon. Brennon poderia ter tudo para ser escrito como o bastião do que seria o oeste selvagem, tal qual os personagens inflexíveis de John Wayne, na era de ouro do western, mas em 1883, temos um senhor que se emociona com cada perda, que se preocupa e que não tem medo de chorar na frente das pessoas.

OESTE: UMA TERRA INVADIDA
Chegamos ao elefante branco da sala. Não existe nenhuma narrativa que envolva esse período da qual não estamos ativamente falando sobre roubo de terras, genocídio e apagamento indígena. Nenhuma história envolvendo o velho oeste, deve se eximir do fato de que os acontecimentos que estão sendo mostrados, estão ocorrendo em terra invadida e manchada de sangue. E com 1883, não é diferente. O Destino Manifesto, a ideologia usada para a expansão colonizadora, pregava que era direito divino dos homens brancos conquistar aquela terra selvagem. E esta ideologia manteve o coração de muitas pessoas focadas em ir tomar o que é seu.
Dito isso, não há como justificar as diversas ações do exército, influenciados por homens gananciosos, ao tratamento dado para os diversos povos indígenas.
Em 1883, como o período já mostra, grande parte das Guerras Indígenas já tinham sido travadas e muitos povos já estavam sofrendo nas reservas.
Quando nos encontramos com os indígenas, já são os primeiros segundos da série, onde um grupo de guerreiros está massacrando colonos. Apesar da violência, justificada mais tarde, os indígenas dos povos Lakota, Comanche e Crow, são retratados como povos que já viram demais e que estão lidando com as perdas a sua própria maneira.
O personagem Sam, um guerreiro Comanche (interpretado pelo, também nativo, Martin Sensmeier) rouba a cena quando aparece. Sem precisar mostrar suas tradições através de diálogos forçados, é através de pequenos detalhes que conhecemos um pouco da sua cultura.
Além também de termos uma aparição especial do ator veterano Graham Greene, como Águia Gritadeira, um Crow ancião que ajuda a família Dutton no final da sua jornada.

O FIM DA FRONTEIRA
Com outros spin-off já lançados, como 1923, que continua a história da família Dutton, 30 anos depois, 1883 fecha a jornada da caravana nos seus 10 episódios, mostrando que os colonos não tinham ideia alguma do que iriam encontrar quando foram induzidos a seguir o Destino Manifesto. Muitos já não tinham nada a perder, outros tinham poucas coisas, mas todos possuíam apenas esperança, que a cada episódio foi sendo levado, seja por correnteza de rios, doenças ou o mal no coração dos homens. Apesar disso, uma continuação foi confirmada, que seria um spin-off de um spin-off (?) de Yellowstone, mas desta vez, fugindo do núcleo do rancho e focando na figura notória de Bass Reeves, um marshal negro que atuava nos territórios indígenas e possuía uma carreira impecável como homem da lei, prendendo mais de 3,000 homens durante a sua vida.
Agora é aguardar mais novidades!
Você encontra 1883 e seus derivados, na Paramount+ e é uma ótima pedida para conhecer mais sobre as Trilhas que povoaram o oeste estadunidense.

NOTA DO LOBO: 5 Jack’s de 5
1883 (2021)
10 Episódios/ Western, Drama
Criador: Tyler Sheridan
Elenco: Sam Elliot, Tim McGraw Faith Hill, Isabel May
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