[REVIEW] A Inglesa (2022)
- garagisaloon
- 6 de fev. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
E os vários inimigos do oeste estadunidense

Anunciado com certo clamor desde o início do ano passado, a minissérie A Inglesa chegou na Amazon Prime em Novembro de 2022.
Dirigido e escrito por Hugo Blick (o mesmo do thriller The Honourable Woman), a minissérie em 6 episódios, traz um western gótico no final do período da fronteira estadunidense e entrega tudo que prometia e mais, com cenas recheadas de tensão em uma história clássica de vingança.
WESTERN GÓTICO
O faroeste é um gênero que de vez em sempre está sofrendo reinvenções, muito devido ao seu apelo mitológico, com tropos bem conhecidos, como o pistoleiro solitário, histórias de vingança e tiroteios ao meio-dia no deserto escaldante.
Além disso, é um tipo de gênero “guarda-chuva”, que possui muitos subgêneros dentro dele, como o Western Spaghetti, que se popularizou com os filmes italianos da década de 60. Um dos subgêneros que o faroeste possui é o Western Gótico, uma mistura entre os tropos clássicos de um western com os apelos góticos da literatura vitoriana, tornando o gênero mais sombrio, quase macabro, recheado de mistérios, ocultismo e solitude.
A Inglesa pega emprestado isso com suas cenas recheadas de tensão, onde o conflito, por mais que exista (e olha que tem várias cenas de tiroteio e sangue na série), é mais pessoal do que realmente enfrentar o vilão da vez. Os personagens precisam lutar contra inimigos invisíveis e estruturais e entender seu lugar neste universo, que não possui empatia alguma pelas vontades e necessidades deles.
Estes e mais outros elementos tornam A Inglesa uma obra que representa o western gótico definitivo.
O trailer vem na contramão da tendência e não revela nada, a não ser a ambientação hostil da série
A HISTÓRIA
A premissa acompanha a aristocrata inglesa Lady Cornelia Locke (Emily Blunt) em sua busca de vingança contra um mal que assolou sua família. Ela desembarca nos EUA de 1890, após a morte seu filho, onde sua história se cruza com a de Eli Whipp (Chaske Spencer), um pawnee ex-soldado do exército estadunidense a caminho de recomeçar sua vida.
O que ambos não sabem é que suas vidas, e de vários outros personagens da cidade de Hoxen, são entrelaçadas por eventos passados sombrios.

O Sgt. Eli Whipp decide acompanhar a jornada de luto e vingança de Lady Cornélia, em A Inlgesa
Com um texto que não subestima a inteligência do espectador, A Inglesa trás diversas camadas, onde facilmente poderíamos perder alguns detalhes, se não fosse a narrativa precisa de Blick, que desvenda mistérios a cada passo dos protagonistas, deixando a tensão escalonada de forma envolvente.
Com planos amplos, destacando a pequenez dos personagens perante a imponente paisagem das planícies do oeste selvagem, cada cena é facilmente um quadro pensado de forma a impactar com suas cores vibrantes contrastando com a atmosfera sombria.
Os personagens secundários são um deleite a parte, compondo o western folclórico d’A Inglesa, com cada um definido por suas excentricidades únicas. Mesmo o mais superficial dos figurantes, possui uma característica que te faz imaginar o por que aquela pessoa é assim.

Como todo faroeste que se preze, o ambiente bucólico hostil é, também, um antagonista dos protagonistas
E é neste universo mitológico que Lady Cornélia aparece, com o coração carregado de luto e pesar, e encontra o Sgt. Eli Whipp, um sargento pawnee que queria apenas voltar para sua terra natal e recomeçar a sua vida. Aos poucos, ambos os destinos, por mais diferentes que fossem, acabam se fundindo e cada luto, seja de Cornélia ou de Eli, desdobram em momentos de conflitos mortais contra aqueles que cruzam seus caminhos.
POR UM PUNHADO DE ELENCO EXCEPCIONAL
Emily Blunt entrega uma Lady Locke com várias camadas e é difícil não se emocionar com ela. De início somos apresentados a uma aristocrata que parece estar perdida naquela planície extensa, cercada por pessoas dúbias e mal intencionadas. Mas, Emily carrega uma força da natureza dentro dela e sua Cornélia, em pouco tempo, mostra a que veio, mostrando as habilidades necessárias para encontrar o motivo de sua vingança.
Junto dela, assumindo a responsabilidade de acompanhar Emily na carga emotiva, está Chaske Spencer (que muitos conhecem pelo seu trabalho na saga Crepúsculo) como o altivo e frio Sgt. Eli Whipp. Um indígena de linhagem Cherokee e Nez Perce, Chesper tem o que é necessário para representar essa parte da história dos indígenas no período da fronteira estadunidense. O Eli de Chesper é, ao mesmo tempo frio e distante, a ponto de relevar as atrocidades do exército estadunidense durante as Guerras Indígenas e empático ao lidar com as dores de uma desconhecida.
Um homem de poucas palavras, é nos gestos de Eli que percebemos parte do seu passado, quando ele apresenta sua vida pregressa em objetos de valor ou falando de sua cultura.

Emily Blunt e Chaske Spencer brilham como coprotagonistas n'A Inglesa
O texto de Hugo Blick não pede desculpas e escancara, mesmo de modo folclórico, o que foi a mazela deixada pelos homens daquela época. Seja por ganância, machismo e racismo, vemos pelos olhos dos protagonistas, as ações nocivas que movem as pessoas desse oeste gótico. Quando dois indígenas, de povos diferentes se encontram, suas falas expõem a dor que foi seguir em frente e esquecer seu modo de vida ou as pessoas deixadas para trás.
Ainda sobre o texto, um dos pontos positivos é o fato de Blick saber lidar com as diversas violências da série. Apesar de terem partes de gore, com corpos pendurados, escalpelados e marcados por tiros, característicos de um oeste estranho, quando somos apresentados a violência estrutural, seja por machismo e racismo, existe um véu, onde é preciso um olhar atento às sutilezas, seja em um gesto ou em uma frase, que mostra que aquela violência está presente. E, isso nos mostra que apenas isto já é bastante para, certas horas, cerrarmos os dentes de aflição e ódio às ações dos homens naquele período.
E é sobre as consequências destas violências que a série se baseia. Em como algo invisível pode mudar a vida de uma pessoa e tornar sua motivação central a um universo já carregado de mazelas.

Uma série imponente e que faz jus do gênero western
Uma minissérie fechada com apenas 6 episódios, A Inglesa trás um frescor ao tropo de vingança no velho oeste, com atuações excepcionais, paisagens bucólicas de tirar o fôlego e personagens cativantes.
A Inglesa está disponível completa na HBOMax (ela é da Amazon Prime, mas não me pergunte o porquê da mudança) e é uma ótima pedida se você quer um bang-bang tradicional, com pitadas de ambientação gótica e uma narrativa envolvente.
SAIDERA: O POVO PAWNEE E O GENOCÍDIO INDÍGENA

Um povo que vivia em guerra contra colonos e outros povos
Os Pawnee são um povo nativo das Grandes Planícies que hoje compreende Nebraska e Kansas e graças a vários infortúnios como doenças, guerras e as ocupações massivas de colonos europeus, se mudaram para Oklahoma, onde hoje chamam de lar.
Um povo guerreiro, os Pawnee foram cooptados pelos exército estadunidense a lutar contra seus antigos inimigos nativos, os Sioux e os Cheyenne durante as Guerras Indígenas, servindo de batedores e rastreadores.

Na série, o Pawnee Eli Whipp, é um ex-sargento dos EUA que acaba de prestar seus serviços militares e está a caminho de recomeçar sua vida em sua terra natal.
Em 1890, as Guerras Indígenas já tinham chegado ao fim, com chefes de guerra como Touro Sentado e Cavalo Louco, tendo se rendido ou mortos, fazendo com que os povos nativos migrassem para as reservas e adotassem o estilo de vida imposto pelos brancos.
Pelos olhos de Eli, conseguimos ver não apenas o racismo estrutural mas também como diversos indígenas tiveram de se adaptar ao novo estilo de vida, abdicando de memórias, terras e culturas da qual faziam parte.

NOTA DO LOBO: 5 Jack’s de 5
The English (2022)
6 Episódios/ Western, Drama
Direção: Hugo Blick
Elenco: Emily Blunt, Chaske Spencer, Stephen Rea, Toby Jones
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